Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

28 de agosto de 2012

Caça

Abriu mais uma época de caça, um tema que me deixa um pouco dividida, afinal, eu também como carne. Defendo, porém, o princípio de que devemos diminuir o seu consumo, para que os animais destinados à nossa alimentação possam ser criados com espaço e dignidade. Cá em casa, comemos cerca de um quilo de carne por semana (meio quilo por pessoa). Assistimos, atualmente, a um consumo desenfreado de carne, nunca, na História da humanidade, houve tanta gente com acesso a tanta quantidade dela. E fazemos como uma criança que se vê sozinha numa fábrica de chocolates: empaturramo-nos, com prejuízo para a própria saúde.

De qualquer maneira, mesmo numa quinta onde os animais vivam felizes, chega a altura em que terão de ser abatidos e, entre isso, ou abater um animal selvagem, não há grande diferença (é claro que também há a caça às espécies que não servem para a nossa alimentação, como a raposa; nem me parece que o rei Juan Carlos terá comido o elefante, junto do qual posou com tanto orgulho). Em abono dos caçadores, fala-se da «mística da caça», que, ao fim e ao cabo, expressa a harmonia entre o homem e a natureza, ou seja, ao caçar, o ser humano prova ser apenas mais um predador à face da Terra. Além disso, parece que, por vezes, será necessário manter o equilíbrio entre as espécies. Isto, dito assim, faz dos caçadores grandes respeitadores da natureza.

Mas, então, como explicar que a Imperatriz Sissi diga que ouve, ano após ano, histórias aflitivas acerca dos cães de caça? Relatos aterradores de abandono, tortura ou mesmo chacina dos animais que já não são necessários, ou cujos "donos" não os querem sustentar até ao ano que vem. Por acaso, eu também conheço histórias horripilantes sobre a maneira como certos "caçadores" lidam com os seus cães (ou com os cães, em geral). Mantêm-nos todo o ano consigo, mas em condições miseráveis, apenas para, ao chegar a altura, pegarem na arma e irem para o monte. Julgam-se grandes caçadores e não há dúvida que respeitam a natureza!

E também sei de uma história em que um grupo de caçadores encomendou cães a um criador para uma caçada. O homem chegou com os animais metidos em jaulas apertadíssimas, vários cães em cada uma (mas que grande criador!). Numa das jaulas, os bichos, frustrados e excitados, acabaram por matar um dos seus semelhantes à dentada. Que feras, dirão alguns! E eu proponho-lhes que juntem vários homens dentro de uma jaula apertada,durante várias horas, cheios de fome e sem saberem para o que vão. Depois, digam-me o que aconteceu!

Como diz a Sissi: gente dessa não merece o nome de caçador, mas de besta. E, a mim, já me vai faltando a pachorra para o egoísmo e a prepotência que muitos da minha espécie provam possuir.

Como é que em pleno século XXI é atribuída uma licença de caça a quem não prova colocar chip nos cães? Como é que ninguém controla as matilhas que acompanham cada caçador?

 

3 comentários:

CAL disse...

Cristina entendo a sua revolta.
Na juventude fui caçador de passarinhos para satisfação do meu superlativo ego. Tinha de provar a mim mesmo que era bom de mira. Errei o alvo ao não aproveitar as horas de lazer nos finais de semana comungando da paisagem dos belos campos ajardinados (foi tempo) ao som de uma sublime melodia. Era esse som de vida que me excitava a silenciá-la! Era cego e não sabia. Cegueira cultural, principalmente religiosa. Pode o religioso destruir a natureza? Até pode quando não tem consciência. Querem melhor exemplo? O meu professor de catecismo era caçador! O Abade (o representante de Deus na Terra) não sabia que, sendo a natureza criação de Deus, devemos dela cuidar como cuidamos da alma. Fazemos parte de um todo, ao destruirmos a natureza agredimos o nosso corpo.
Ao emigrar libertei-me das amarras do atraso. Vim a descobrir que cometi um grave “pecado”, mas entendo já estar perdoado, pois mudei.
Paradigmas levam tempo para mudar, mais ainda quando as pessoas são educadas na base do medo.

Obrigado pelo excelente texto.


Bartolomeu disse...

Tem a Imperatriz Sissi toda a razão.
Vivo num local onde é praticada a caça ao coelho e à perdiz e assisto todos os anos a variadíssimos comportamentos de seres racionais que me causam a sensação de estar a participar na cena de um filme de Hitch Cock.
Por aqui, todos os anos aparecem inúmeros cães de caça abandonados; uns porque se perdem da matilha, outros, porque pura e simplesmente os donos se desfazem deles por não possuirem as qualidades necessárias para caçar. Alguns, atingem o ponto de matar os seus cães a tiro, pelo mesmo motivo. Aqui em minha casa, sempre vão ficando alguns abandonados, chegámos a ter 8, presentemente estão cá 6, 3 deles podengos, cheguei a ter uma cadela Teckel de pêlo cerdoso, um amor.
Noto no entanto, com imensa satisfação, que o numero de caçadores aqui no meu sítio, reduz de ano para ano. Talvez a crise esteja a fazer com que alguns desistam. Espero bem que sim.

Cristina Torrão disse...

António Batalha, obrigada pela sua visita e as suas palavras.

CAL, muito obrigada por ter partilhado esses seus pensamentos connosco. Também eu não fui sensibilizada para os animais e a natureza, na minha infância. Para dizer a verdade, não gostava nada de cães, tinha muito medo deles e ninguém me ensinava a lidar com eles. Só há cerca de quinze anos, quando comecei a lidar com esses maravilhosos animais, me dei conta de tudo o que havia perdido, pois nós ganhamos muito ao conviver com animais. Ensinaram-me a respeitá-los, assim como a toda a natureza. Foram (e são) dos melhores professores que tive. O importante é que mudemos, como aconteceu consigo, e não passemos a vida toda agarrados a preconceitos sem sentido.

Bartolomeu, gostei de saber que dás guarida a alguns desses cães.
Sob esse ponto de vista, a crise parece ter um lado positivo, sim ;)